Meditação e voo livre

Fonte: Silvio Ambrosini - Sivuca - Data: 08/01/2011
Até meados dos anos 60, quando os Beatles ainda não tinham Maharishi Mahseh como guru e este, não ter trazido ao ocidente suas técnicas de meditação, pouco se falava sobre este assunto. Mais de quarenta anos se passaram desde o início deste método de compreensão de sim mesmo e ainda para muita gente, meditar ainda significa muito pouco, ou pior, possui um significado deturpado, desencontrado, equivocado.
 
Tenho escutado dizer que meditação é algo que vai além de sentar em posição de lótus e entoar mantras. Ao mesmo tempo também escutei dizer que apesar de criar meios de guiar-nos para lugares ligeiramente mais próximos de realidades até então tidas como fantásticas como entrar em uma "outra dimensão", a meditação é algo ou começa com algo muito mais simples. Este ponto de partida, inclusive se torna obrigatório, como se fosse um portão a ser transposto para um lugar onde não é possível entrar pulando o muro, ou se é possível, por exemplo, através do uso de drogas, não há como compreender o que acontece do outro lado sem que a entrada tenha sido feita de forma inteiramente presente e consciente.
 
Isto nos tranqüiliza, pois o uso de drogas para atingir certos estágios de consciência prova-se eficaz apenas do ponto de vista contemplativo, como nos fosse apenas possibilitada a oportunidade de ver um vídeo do que realmente é "estar lá", enquanto que através da verdadeira meditação conseguimos de alguma forma realmente entrar neste mundo, integrar-se verdadeiramente a ele. Naturalmente esta possibilidade não nos é proporcionada de um momento para outro. É necessário muito tempo, muita dedicação, às vezes de uma vida inteira e muitas vezes sem o menor sucesso.
 
A verdade é que o simples passar na frente deste portão de consciência, já é uma grande conquista, que vai muito além de qualquer contato menos consciente, por mais intenso que ele aparente ser.
 
E o que é afinal este mundo? Escutei dizer que apesar de muitos de nós sermos inclinados a negar isto, o verdadeiro controle sobre nós mesmos está longe de ser uma realidade. Segundo estas pessoas, tudo em nós acontece, de forma que não temos nenhum controle sobre estes acontecimentos. Imagine que se nos é extremamente complexo administrar nossas reações diante dos acontecimentos, de modo que não podemos controlar nossas emoções; controlar os acontecimentos é então tão distante de nós quanto a possibilidade real de sequer uma compreensão desta definição, ou seja, isto está tão longe que nem sequer podemos compreender as implicações do ato, quanto mais o ato em si.
 
Mas voltando ao que foi dito anteriormente, o mais superficial contato consciente com as possibilidades deste "outro mundo" já é um longo caminho. Se compararmos com algo mais concreto, equivaleria dizer que este outro mundo situa-se "no Céu", nas nuvens... e nosso mundo, está aqui no chão. Chegar até as nuvens não é fácil, porém também subir meio metro acima do chão também não é fácil. Se nos fosse possível subir este meio metro, já teríamos conseguido dar um passo enorme naquela direção.
 
Estas mesmas pessoas dizem que o primeiro passo para conseguirmos um flash deste mundo é sermos capazes de escutar a nós mesmos. Elas alegam que estamos constantemente povoados de pensamentos que não permitem este contato. Tais pensamentos tomam toda nossa atenção de modo que nos tornamos seres reativos e não ativos. Nossos pensamentos se assemelham a uma secretária histérica que fica o tempo todo nos lembrando de tudo aquilo que temos de fazer ou pior, daquilo que fizemos ou deixamos de fazer. A secretária apenas lembra, ela não é capaz de fazer nada, de tomar qualquer decisão. Nossas mentes tampouco, pois não encontram espaço para um verdadeiro planejamento já que estamos constantemente ocupados escutando a esta secretária enlouquecida.
 
Conseguir ser capaz de fechar os ouvidos para os apelos da secretária constitui o primeiro passo no sentido de conseguirmos ser capazes de "escutar outros sons" ou escutar o nada. Este nada seria um estado de silêncio interior, onde nenhum pensamento nos ocorre. Experimente você mesmo, eu já experimentei. É extremamente difícil! Experimente não ter nenhum pensamento. Mesmo que seja por uma fração de segundo, você imediatamente perceberá que algo novo acontece.
 
O velho Platão contou uma boa história que diz que estamos sentados ao fundo de uma caverna virados de costas para a entrada. A nossa frente há apenas sombras de alguns movimentos que acontecem do lado de fora. Ele dizia que estas sombras constituem nosso mundo sensorial. O grande filósofo ia adiante dizendo que por algum motivo, uma destas pessoas se levantou e foi até a entrada da caverna, porém a luz externa era tão forte que lhe feriu os olhos e ele não foi capaz de ver nada tendo de retornar imediatamente para a escuridão. Sem se dar por satisfeito, esta pessoa teria se levantado novamente mais tarde e tentado com todas suas forças acostumar-se com a luminosidade exterior até que por fim seus olhos conseguiram enxergar a maravilha que havia no mundo fora da caverna. A compreensão que passara a vida apenas interagindo com sombras foi uma revelação tão estarrecedora, tão apavorante que ele chegou muito perto da própria morte. Finalmente a compreensão de que aquele novo mundo agora era dele o fez que virasse as costas para a caverna para todo o sempre, mas não sem antes procurar convencer os outros que ali ainda permaneciam. Não conseguiu êxito, ninguém podia suportar a luz que emanava da porta da caverna e ele viu que não havia mais nada que pudesse ser feito, seguindo seu caminho em direção ao seu novo mundo, sua nova dimensão, sua nova compreensão de tudo o que o rodeava. Só lhe restou lamentar a ausência dos seus entes, porém não havia nada que pudesse ser feito.
 
As técnicas de meditação têm como objetivo ajudar a nos trazer um estado de silêncio interior. Para compreender a necessidade deste tal silêncio, é essencial que compreendamos alguns conceitos relativos ao funcionamento do homem como máquina que é.
 
Diferente daquilo que a ciência diz, o homem não é um ser isolado. Somos várias pessoas dentro de um só corpo físico e agimos não governados por uma mente única, mas governados por múltiplas mentes, de forma automática e sob total influência do meio externo. Assim como um programa de computador que ao receber um input, realiza automaticamente uma série de ações pré-determinada.
 
É simples ver isto acontecendo quando observamos a forma previsível como nos comportamos em nosso dia-a-dia. A cada instante, um novo "EU" toma posse e despeja uma série de opiniões, ações, decisões, pensamentos que não são necessariamente aquilo que gostaríamos que refletisse uma posição mais adequada diante do dia a dia.
 
A frase de P.D. Ouspensky traduz precisamente este pensamento: "Imagine um país onde cada cidadão pudesse ser rei por um dia e durante este dia, pudesse fazer aquilo que desejasse sem medir as conseqüências para o próximo rei e para o dia seguinte; eis nossa vida!!"
 
Quanto maior a dificuldade em percebermos isto, mais escravos desta situação estaremos.
 
De uma forma bastante resumida, o homem é dividido em três centros principais, a saber: o centro motor que controla todas as nossas funções biológicas, instintivas e sexuais; como por exemplo, nossa respiração, a digestão, o movimento dos músculos e assim por diante. O centro mental ou intelectual que controla nossas funções de pensamento, raciocínio lógico, memória, etc e o centro emocional que controla nossas... emoções, logicamente!
 
A questão é que o homem não possui controle real sobre os centros. Não somos capazes de controlar nosso centro emocional, pois mudamos de humor constantemente e com uma facilidade inacreditável; basta que alguém nos olhe meio diferente que instantaneamente desencadeia-se uma série de reações automáticas que fogem ao nosso controle. Somos absolutamente influenciáveis pelo clima, pela luz, por qualquer coisa que venha do meio externo e somos incapazes de controlar nossos sentimentos de forma a adequar nossas ações àquilo que o momento necessita. Ficamos bravos, tristes, alegres sem aparente explicação. Ficamos alegres quando deveríamos estar tristes e tristes quando deveríamos estar alegres. Somos incapazes de conter emoções negativas como raiva, ciúme, inveja e assim por diante. Uma simples frase que escutamos é capaz de "destruir nosso dia". Passamos o tempo todo nos justificando, imaginando um culpado para nossos erros mesmo que este culpado possa ser algo tão distante da realidade palpável quanto um "encosto" ou uma "entidade maligna". Afinal, é muito mais fácil colocar a culpa no além do que no aquém...
 
Caminhamos, mas não somos capazes de perceber nossos pés tocando o chão. Somos alvo constante de dores de cabeça, dores nas costas, dores no estômago e toda sorte de dores, enjôos e mal estar que as bulas dos remédios que tomamos descrevem tão precisamente. Se uma nova doença é mencionada na TV, os pronto-socorros dos hospitais enchem-se de pessoas manifestando os mesmos sintomas que viram na noite anterior no Jornal Nacional. Nosso corpo funciona aos trancos e barrancos e está constantemente a mercê de germes que talvez nem existam. A friagem nos faz mal, camarão nos faz mal, água quente nos faz mal, ar condicionado nos faz mal, mau-olhado nos faz mal. Somos seres absolutamente vulneráveis vivendo em um mundo aparente e totalmente nocivo como se fôssemos seres de outro planeta. E somos!
 
Nossa mente trabalha ininterruptamente vivendo ora no passado, ora no futuro. O presente passa diante de nossos olhos sem que nos apercebamos, pois estamos ocupados maquinando, matutando, pensando em toda sorte de porcarias que de nada servem para resolver aquilo que está nos acontecendo naquele instante. Aliás, a nós, tudo acontece; não somos capazes de fazer absolutamente nada. Tudo em nós é produto ora do destino, ora do acaso. Somos um retrato do horóscopo.
 
Nossa mente é como uma secretária enlouquecida que passa o dia nos interrompendo para lembrar das coisas que devemos fazer no dia seguinte e para falar das coisas que fizemos no dia anterior.
 
Nosso presente simplesmente não existe, pois tanto o futuro quanto o passado estão ocupando todo o espaço destinado a ele. Estamos aqui fisicamente, porém apenas isto. Fazemos as coisas automaticamente, acordamos sem perceber o sol, dormimos sem perceber a lua, o vento sopra e não o sentimos no rosto, as flores exalam perfumes que não sentimos, comemos e não sentimos o sabor da comida, vamos ao trabalho sem perceber as ruas, as pessoas, as árvores e chegamos ao escritório para alguém nos avisar que nossos pés calçam meias de cores diferentes, isto quando não nos esquecemos dos sapatos.
 
Gostaríamos muito de evoluir, mas nada fazemos para que isto aconteça. Estamos mergulhados num grande rio, tão grande que nem somos capazes de perceber a correnteza nos arrastando para um nada total. Às vezes um pedaço de madeira vem boiando em nossa direção e nos apoiamos nele achando que assim estaremos salvos, mas não somos capazes de perceber que este pedaço de madeira também bóia no mesmo rio e junto com ele seremos arrastados pela correnteza. Assim, toda a humanidade vai mergulhada neste rio, iludida pelas suas conquistas transitórias, pela tecnologia, pelo aparente progresso da ciência, pelas descobertas e conquistas espaciais, pela manipulação dos processos genéticos. 
O homem não se dá conta que para todo este aparente progresso existe uma contrapartida destruidora na direção diametralmente oposta. Milhões morrem de fome a todo instante, morrem por bombas, por doenças, por inveja, por medo, por ódio, por preconceito, por acaso... Todo o progresso do homem nada significa diante de todo regresso que o mesmo homem produz a todo instante. O mesmo homem que cria a cura do câncer, cria uma bomba capaz de matar milhões pelo mesmo câncer. Criam-se doenças novas para que se possam vender mais remédios...
 
Alguém aqui teve uma bisavó estressada? E um bisavô com AIDS? Com pneumonia asiática, Ebola, etc. As galinhas da sua avó tinham gripe aviária?Como era a impotência na Grécia antiga? As pessoas precisavam de Viagra, de Prozac, de Lexotan, de Xenical naquele tempo? Talvez sim, talvez não.
 
A única forma de nos vermos livres desta correnteza é nadarmos contra ela. A única forma de evolução do homem deve partir de um esforço sem precedentes no sentido contrário da força que a natureza nos exerce. Estamos sob as leis do universo e estas leis nos mantêm dormindo, como uma horta de alfaces, como frangos no matadouro, como soldados numa guerra, como cidadãos que vão às urnas. Temos de acordar, de despertar deste sono profundo. Temos de aprender a sermos senhores de nós mesmos, de fazer e não acontecer, de ter vontade própria e não sermos escravos dos desejos efêmeros que provamos ser todos os dias.
 
Para sermos senhores de nós mesmos, é preciso que nos conheçamos, que entendamos nosso funcionamento, que aceitemos nossa condição de máquina ao mesmo tempo em que acreditamos na real possibilidade de deixar de sê-lo. Devemos nos encher de humildade para aceitar o quanto estamos distantes deste crescimento ao mesmo tempo reservamos todas nossas energias para encarar esta escalada.
 
A meditação se trata de iniciar um processo de percepção de si, de sermos capazes de perceber nossas emoções e nosso corpo ao mesmo tempo em que somos capazes de calar nossos pensamentos para poder perceber estas coisas.
 
Um minuto em silêncio, visualizando cada momento de nosso vôo é capaz de proporcionar um aumento considerável em nosso nível de concentração e conseqüentemente promover uma grande ajuda no sentido de aumentar o nível de segurança de nosso vôo.
 
Quando participo de uma competição, procuro visualizar meu vôo que irá acontecer, como se eu estivesse lá voando, enrolando as térmicas, controlando a variação de pressão, escutando o vário, vendo meus amigos ao meu redor, passando pelos pilões e até chegando no gol. É óbvio que nem sempre isto acontece, aliás, tem acontecido menos ultimamente. Porém o nível de consciência é outro, a sensação de missão cumprida é real.
 
Este minuto de silêncio pode ser utilizado simplesmente para sentirmos o vento e o sol sem nenhuma opinião manifestar, sem nenhuma cadeia de pensamentos gerar. Se você for capaz disto, terá dado um grande passo na direção certa.
 
Silvio Carlos Ambrosini – Sivuca – www.ventomania.com.br
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