Aumentando a qualidade do piloto

Fonte: Silvio Ambrosini - Sivuca - Data: 08/01/2011
 
Então Joãozinho decidiu aumentar a qualidade de seu voo. Como há muitas variáveis e fica meio difícil saber por onde começar, dividiu o universo do voo em três setores principais: Piloto, Condição e Equipamento.
 
Uma divisão bem básica, mas capaz de sintetizar praticamente todas as variáveis e ajudar a compreende-las separadamente. Uma simples questão de técnica organizacional.
 
 
Joãozinho sorteou e resolveu começar pelo “equipamento”. Começou a investigar as coisas que lembrou que pudessem estar relacionadas a este setor, para tanto fez uma lista de perguntas para si mesmo:
 
O equipamento que estou voando está em reais condições de uso, revisado e atualizado ou está cheio de remendos e com linhas possivelmente desgastadas e com comprimentos misteriosos?
O tratamento que dispenso ao meu equipamento realmente ajuda na sua conservação ou largo ele o dia inteiro tomando sol na rampa e garoa no pouso?
O equipamento que utilizo para voar, corresponde ao meu nível técnico permitindo que eu sempre voe com um nível de stress baixo ou a cada voo preciso rezar dez Avemarias para que ele não desabe sobre minha cabeça?
Sinto-me realmente confortável em minha selete ou ela está causando uma trombose nas minhas pernas e dores nas costas e Abdômen?
Meus mosquetões chocaram-se contra o solo duro e eu não os substituí?
A abertura ou não de meu pára-quedas de emergência é um mistério ou tenho certeza de que se precisar dele tudo vai funcionar direitinho?
Os tirantes, mosquetinhos, acelerador, alças e zíperes estão recebendo a devida atenção antes de cada decolagem e depois de cada pouso?
Caso eu pouse em um lugar inesperado, estou preparado para enfrentar sede, frio ou o cobrador do ônibus?
 
O próximo item foi “Condição”. Joãozinho criou novas perguntas, quando ele não sabia a resposta, ficava bastante preocupado:
 
Os ventos que escolho para decolar tornam minha decolagem mais perigosa ou difícil ou isto raramente me causa problemas?
Estes ventos que escolho para voar são constantes e sofrem poucas rajadas ou podem aumentar repentinamente sem muito aviso?
O vento realmente vem de frente na decolagem ou hoje ele está meio “latero-caudal-rotorizado”?
O céu sobre minha cabeça é realmente previsível, com nuvens mais ou menos do mesmo tamanho, como flocos de algodão ou elas são mais escuras e misteriosas, do tipo que vai chover a qualquer momento?
A quantidade de pilotos voando permite que eu voe tranquilamente ou pode elevar meu nível de stress por medo de me chocar contra outro parapente ou asa?
Após decolar, tenho certeza de que meu voo será tranqüilo e administrável ou existem chances de térmicas violentas aparecerem para tornar tudo mais complicado e assustador?
Da decolagem posso visualizar o pouso e tenho certeza de que consigo fazer a aproximação tranquilamente e pousar sem maiores ocorrências ou isto tudo está nas mãos de Alá, de Iemanjá, do Santo Expedito, de Jesus, de Maomé, de Buda ou até mesmo de Deus?
Tenho certeza de que não há fios ou outros obstáculos nos possíveis caminhos que pretendo escolher para pousar?
 
Finalmente Joãozinho procurou fazer algumas perguntas a respeito da questão “Piloto”.
 
Sinto-me bem física e emocionalmente para fazer este voo ou o mal estar da balada de ontem me deixou meio pra baixo?
Quero decolar logo para não ter que ficar olhando para a cara daquele palhaço que eu odeio?
Tenho habilidade para inflar meu parapente suavemente ou a cada puxada nos tirantes, meia dúzia de linhas costumam enganchar nas pedras, além de ter a mania de fazer ele virar de cabeça pra baixo e bater o bordo de ataque contra o chão?
Quando estou voando sinto prazer ao simplesmente estar com os pés longe do chão ou o prazer só vem quando meu coração dispara ao passar raspando numa parede ou virando de cabeça pra baixo?
Antes de cada decolagem, procuro fazer um plano de voo, imaginando todas as possibilidades que me são oferecidas e quais seriam as atitudes corretas e alternativas a serem tomadas ou simplesmente decolo e deixo tudo acontecer?
Eu seria capaz de administrar um incidente de voo como um colapso ou um estol inadvertido, por exemplo?
Sou capaz de perceber um estol ou um colapso antes que ele aconteça e agir a tempo de evita-lo?
Quando voo, preocupo-me se as pessoas na rampa ou no pouso estão me observando ou me fotografando ou esqueço que eles existem?
 
Joãozinho sabia que havia mais uma infinidade de questões que poderiam ser feitas e formas mais interessantes e completas de fazer as questões que ele havia criado, mas o que mais interessava era responde-las.
 
 
Joãozinho adotou um método, deveria responder a cada uma das questões concentrando-se exclusivamente no seu enunciado, sem se preocupar com a próxima questão. Na medida que Joãozinho foi escrevendo as respostas, percebeu que algumas delas pareciam completa novidade, como se ele jamais tivesse pensado a respeito daquele assunto anteriormente, era como se outra pessoa tivesse escrito as questões.
 
O mais surpreendente é que conforme Joãozinho lia suas respostas, percebia com uma clareza inédita o quanto ele precisava melhorar para atingir a qualidade almejada.
As questões tratavam de assuntos isolados, que muitas vezes pediam modificações pequenas na sua forma de agir e pensar, mas que no contexto geral, possuíam um significado muito amplo. Outras, por sua vez representavam risco de vida se não fossem corrigidas a tempo. Joãozinho percebeu que involuntariamente agia muitas vezes em prol de sua própria destruição.
 
Joãozinho viu que como “analista de pilotagem” ele podia enxergar o piloto que havia dentro dele de um ângulo novo, que nunca havia sido explorado. Claro que tudo exigiu tempo, dedicação e principalmente vontade, mas ao final de alguns poucos meses, para dizer a verdade, a partir do final de semana seguinte, Joãozinho descobriu que ele já estava se tornando um piloto melhor, mais seguro, de melhor qualidade.
 
E você, Joãozinho?
 
Silvio Carlos Ambrosini – Sivuca – www.ventomania.com.br
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