De onde viemos? Para onde vamos?

Fonte: Silvio Ambrosini - Sivuca - Data: 08/01/2011
 
Esta pergunta, que martela a cabeça da humanidade desde quando Adão entendeu que a dor que ele sentia era a falta da costela que gerou Eva (inclusive dizem que nessa hora falou: “uma mulher dessas e eu aqui operado...”), pode ser aplicada a qualquer atividade ou instituição, se querem entender assim.
 
Quando encaixamos esta pergunta no vôo livre, nos lembramos das antigas histórias que os sobreviventes da era paleozóica do parapente, contam até hoje, já distorcidas e corroídas pelo tempo. Tempo este que corre muito mais rápido que o tempo que conhecemos, com dias, semanas, horas, minutos e segundos.
 
Aí está o grande problema de nosso esporte: sua evolução é mais veloz que a nossa própria evolução dentro dele.
 
Para entender o mecanismo deste risco, vamos dar uma breve olhada aos recentes acontecimentos que vieram trazer tristeza para nossos dias de voadores. Amigos mortos em acontecimentos completamente absurdos repetindo-se avidamente.
 
Não me cabe aqui, julgar o que o Aléxis ou o Borzino ou outros pilotos fizeram de errado para colocar um ponto final em suas vidas, mas sim procurar analisar a qual tipo de influências estes nomes de nosso esporte, ficaram vulneráveis.
 
Como vocês podem constatar na pequena máxima que está no site da Ventomania, “venha fazer um SIV e constatar que o buraco é mais embaixo”, aprendi a ver cada “onda” do parapente como uma potencial ameaça à meu poder de julgamento. Não sei se foi apenas observando amigos morrendo ou se acidentando gravemente, ou foi sentindo no calor da pele a queimação que certos riscos que eu corri me causaram.
 
Voar é, sempre foi e sempre será extremamente perigoso. Sábias são as palavras do pai do Lisboa que nos seus 78 anos de idade, associa a prática do vôo livre a pura inflação egóica. Realmente esta é uma realidade que infelizmente governa o dia a dia de não poucos voadores.
 
A possibilidade de destaque no meio, através de um veículo completamente diferente daqueles que a humanidade ordinária dispõe, é um apelo de auto-afirmação perigosíssimo. Chamar a humanidade de ordinária por si só, já é uma forma de alegar que o que fazemos é superior.
 
O chamado para o mundo da acrobacia, para a troca indiscriminada de equipamentos, para a loucura por instrumentos de vôo, ou para o simples decolar na ventaca ou num dia cheio de congestus, encontra paralelo imediato na mitologia do canto das sereias, que atraía para as profundezas da morte, marinheiros machões hipnotizados pela promessa de cair nos braços de belezas quiméricas.
 
Estes queridos amigos, ao meu ver, foram enganados pela velocidade dos acontecimentos e lamentavelmente não souberam dar tempo ao tempo, permitindo que sua técnica se adiantasse a sua sobriedade, esta que é produto únido do acúmulo de experiência e do bom senso.
 
Temos em nossas mãos um gigante com duas pernas que crescem impulsionando-o para cima. Numa delas reside a habilidade técnica do piloto, sua capacidade de bailar no mundo das acrobacias ou no mundo das interpretações subjetivas. Na outra, reside a experiência, esta que só é possível de ser adquirida no convívio com o tempo. O problema então, meus queridos, é que o tempo no vôo corre rápido demais e a perna da habilidade técnica cresce mais rápido que aquela da experiência. Temos então diante de nós, um gigante manco, pronto a desequilibrar-se diante do primeiro obstáculo e despencar no chão ingrato.
 
Há quem não concorde comigo e até ficará indignado diante do que afirmo, respeito seu direito, mas a necessidade que sinto em dize-lo vai além da consciência de riscos de ofender ou desapontar alguém. Foi o erro de interpretação que matou Borzino e Aléxis. Ambos cresceram velozmente em técnica, mas não igualmente em experiência e capacidade de análise das limitações pessoais. Crer em fatalidade é um caminho fácil, atribuir ao além, aquilo que está no aquém é o consolo do fraco. A responsabilidade tem de ser assumida e acredito sem dúvida, que ambos foram incapazes de perceber que apesar de sua habilidade, havia algo mais que necessitava crescer e que pela pura lentidão do tempo, ainda não havia crescido.
 
Falo deles dois por serem os mais recentes, mas os senhores e senhoras sabem muito bem quantas pessoas queridas ou não, encontram-se e encontraram-se em situação semelhante. Aos que morreram, resta-nos lembrar do que nos trouxeram de bom, mas aos que ainda estão vivos, o que dizer? O que fazer?
 
É por isto que afirmo que precisamos baixar a bola, precisamos entender que podemos muito facilmente nos tornar vítimas da velocidade do nosso esporte e virar história de uma hora para outra.
 
Falei algumas vezes sobre acrobacia, mas a instituição em si, não tem nada de errado, a acrobacia é uma coisa linda sem dúvida alguma, mas aterroriza-me ver a quantidade de acrobatas que vem aparecendo por aí, como se a prática fosse fácil.
 
Há uma onda acro que lamentavelmente pega carona nos anseios da velocidade que se quer dar as coisas e esta velocidade nos é extremamente nociva e perigosa. Sábias também foram as palavras do Curreca, ao afirmar que o mundo da acrobacia não é o culpado, mas sim as falhas de interpretação de cada um.
 
Pilotos novos me procuram para aprender a fazer SAT e outras manobras e sei que muitos deixaram de me procurar diante das “dificuldades” que impus aos seus caminhos, dificuldades estas que lamentavelmente contrastaram com a “facilidade” que pilotos como estes nossos amigos apregoavam.
 
Pois bem, meus queridos. Estes pilotos estão mortos!! A fórmula de facilidade não funcionou e os atingiu em cheio, jogando-os contra o chão ou para dentro de seus parapentes.
 
Vocês, por sua vez estão vivos! O que vocês farão de suas vidas de pilotos daqui por diante? Continuarão a olhar para o esporte desta maneira míope, onde é impossível distinguir a linha que separa o risco da imprudência? Continuarão a olhar para o esporte com este olhar caolho que só enxerga metade do que está a sua frente? Continuarão a caminhar sobre este esporte com este andar coxo de uma perna mais curta que a outra? Continuarão a acreditar que o esporte é 100% seguro, como escutei uma vez?
 
O que vocês farão?
 
Não lhes garanto que não cometerei um grande erro amanhã, afinal grandes erros algumas vezes os cometi, mas lhes digo sinceramente: erro pouco, não porque sou bom, mas sim porque tenho medo de morrer.
 
Silvio Carlos Ambrosini – Sivuca – www.ventomania.com.br
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